COMUNICADO DO CONSELHO DE MINISTROS DE 8 DE JANEIRO DE 1998

1. Alteração ao Código Penal

O Conselho de Ministros aprovou uma Proposta de Lei, a enviar à assembleia da República, que altera o Código Penal.

O sentido das alterações é o do reforço da punição dos crimes contra pessoas, sobretudo contra as mais indefesas (e, entre estas, mulheres e crianças) ou praticados com especial violência, visando essencialmente proteger as vítimas e a sociedade, embora sem prejuízo das garantias dos arguidos.

Ao mesmo tempo que agrava as penas para vários crimes contra as pessoas e define expressamente os crimes sexuais como crimes contra a liberdade, esta proposta de revisão privilegia a aplicação de penas alternativas às penas de prisão para alguns pequenos delitos.

Os aspectos fundamentais da revisão são os seguintes:

1. Reforço da protecção das vítimas especialmente débeis e indefesas em função da idade, incapacidade ou gravidez, bem como do combate contra formas de criminalidade especialmente perigosas, designadamente no que diz respeito a crimes contra a vida e a integridade física (art. 132º e 146º).

2. Intensificação da defesa da liberdade, designadamente nos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual e nos maus tratos. Destacam-se neste domínio:

o alargamento da incriminação nos crimes de tráfico de pessoas e de lenocínio (exploração da prostituição), deixando de se exigir a exploração de situações de abandono ou de necessidade para que haja crime (art. 169º e 170º);

o alargamento do crime de coacção sexual através da incriminação da extorsão de favores sexuais por quem detenha uma posição de autoridade laboral ou funcional relativamente à vítima (art. 163º);
reforço da protecção de crianças e adolescentes contra crimes sexuais:

a) criminalização autónoma do tráfico de menores de 16 anos destinado à exploração sexual, independentemente do meios utilizado e da situação de abandono ou necessidade da vítima (art. 176º, nº2);

b) alargamento da incriminação do abuso sexual de crianças por forma a incluir a exibição e a cedência de fotografias, filmes ou materiais pornográficos em que sejam utilizadas crianças (art. 172º);

c) alargamento da incriminação do abuso sexual de adolescentes e dependentes, deixando de se exigir que o menor tenha sido confiado ao agente do crime para educação ou assistência (art.173º, nº1);

criminalização do branqueamento dos produtos e dos lucros provenientes dos crimes de lenocínio e tráfico de pessoas e de lenocínio e tráfico de menores (art. 2º do DL 325/95, de 24/12);

a introdução da possibilidade de o Ministério Público, no interesse da vítima, dar início ao processo, sem queixa do ofendido ou de quem o represente, nos crimes sexuais contra menores de 16 anos (actualmente a lei só o permite se o menor não tiver mais de 12 anos) e nos crimes de maus tratos contra cônjuges (a lei actual não permite o início do processos sem queixa da vítima).

3. Supressão do regime estabelecido para o crime de difamação no artigo 180º, nº 5, que impede a prova da verdade do facto

imputado quando ele constituir crime e não tiver havido condenação transitada em jurado. Esta restrição no Código vigente impede, tendencialmente, a denúncia pública de crimes e pode conduzir a resultados absurdos em caos de extinção da responsabilidade penal, em que a inexistência de sentença condenatória nem sequer indicia a ausência de crime ou a falsidade da imputação do facto objecto de divulgação. Considera-se esta alteração de especial significado na perspectiva da protecção da liberdade de expressão e de informação consagrada no artigo 37º da Constituição.

4. Criminalização da burla relativa a contrato ou emprego que afecte emigrantes portugueses ou imigrantes em Portugal e da violação dolosa das regras de segurança no trabalho (art. 222º e 152º, nº3).

5. Incriminação de actividades que incitem à discriminação, ao ódio ou à violência religiosas (art. 240º).

6. Incriminação de violação de deveres relativos à actividade empresarial que possam conduzir a situações de insolvência, nomeadamente nos casos em que, havendo conhecimento das dificuldades económicas e financeiras da empresa, não é requerida a providência de recuperação (art. 228º).

7. Alargamento da competência dos tribunais portugueses e da aplicação da lei portuguesa para responder a novos fenómenos de criminalidade transnacional, abrangendo, nomeadamente, os casos de crimes sexuais contra crianças, mesmo quando cometidos fora do território nacional e independentemente da nacionalidade das vítimas (art. 5º e 7º).

8. Consagração da regra que permite julgar crimes cometidos no estrangeiro sempre que a extradição tenha sido requerida e não possa ser concedida, nomeadamente quando ao crime corresponda pena de morte no Estado requerente (art. 5º).

9. Previsão da aplicação de regras de conduta a reincidentes, quando elas se revelarem adequadas a evitar a prática de outros crimes da mesma espécie (art. 102º).

O projecto hoje aprovado tem como pressuposto básico a consciência da extrema importância da estabilidade da lei penal.

As modificações propostas integram-se na filosofia do actual Código, visando, por um lado, efectuar alguns acertos no texto vigente e, por outro, aproximar ainda mais a lei da realidade que pretende tutelar, alargando o consenso em redor do Código.

O projecto justifica-se também pela necessidade de dar execução a compromissos internacionais de Portugal, nomeadamente pela sua integração na União Europeia, por forma a dar cumprimento a acções comuns contra a pedofilia e contra o racismo, bem como para respeitar o princípio do direito internacional segundo o qual o Estado deve julgar o criminosos quando não o pode extraditar.

Acolhem-se ainda recomendações do Conselho da Europa e do Congresso de Estocolmo, de 1996, em matéria de crimes sexuais contra crianças.

2. Regime jurídico do voluntariado

Propõem-se as bases das regras jurídicas que devem reger o voluntariado, reconhecendo, simultaneamente, a sua importância numa sociedade solidária.

O Conselho de Ministros aprovou uma Proposta de Lei, a enviar à Assembleia da República, que define as bases do enquadramento jurídico do trabalho voluntário.

O Governo entende que importa consagrar no sistema jurídico o voluntariado, quer como reconhecimento público nacional do mérito do trabalho desinteressado em prol de outros, quer como modo de impedir desvios aos princípios de solidariedade que devem reger esta matéria.

O diploma clarifica os conceitos de voluntariado, de voluntário e de organização promotora, os princípios enquadradores, bem como deveres e direitos de voluntários e de organizações promotoras.

No que respeita aos direitos do voluntário: cria-se a possibilidade de ter acesso a programas de formação, quer inicial, quer contínua; de se enquadrar no regime do seguro social voluntário, no caso de não estar abrangido por um regime obrigatório de segurança social; de faltar justificadamente ao seu emprego quando convocado para missões urgentes em situações de emergência ou calamidade; de receber indemnizações, subsídios e pensões, bem como outros regalias, em caso de acidente ou doença contraída no exercício do trabalho voluntário; de estabelecer, com a entidade promotora, um programa que regule as suas relações mútuas e o conteúdo, natureza e duração do trabalho que vai prestar; e de beneficiar de um regime especial de uso dos transportes públicos.

Do programa de voluntariado, a estabelecer entre o voluntário e a entidade promotora, podem constar: a definição do âmbito do trabalho em função do perfil do voluntário e dos domínios de actividade definidos pela organização promotora; os critérios de participação nas actividades, a definição das funções delas decorrentes, a sua duração e as formas de desvinculação; as condições de acesso aos locais onde deverá ser desenvolvido o trabalho; a avaliação periódica dos resultados do trabalho desenvolvido; a realização de acções de formação; a cobertura dos riscos a que o voluntário está sujeito e dos prejuízos que pode provocar a terceiros no exercício da sua actividade, tendo em conta as normas aplicáveis em matéria de responsabilidade civil; o modo de resolução dos conflitos entre a organização promotora e o voluntário.

O voluntariado é definido como um trabalho de interesse social e comunitário, prestado de forma desinteressada no âmbito de projectos ou outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos ou das comunidades, desenvolvidas sem fins lucrativos.

Por isto, o voluntário não pode ter uma relação de trabalho subordinado ou qualquer outra relação de conteúdo patrimonial com a organização promotora.

A actividade de voluntariado pode ser desenvolvida nos domínio cívico, da acção social, da saúde, da educação, ciência e cultura, da defesa do património e do ambiente, da defesa do consumidor, da cooperação para ao desenvolvimento, do emprego e formação profissional, da reinserção social e da protecção civil, entre outros.

Os voluntários não poderão, contudo, substituir trabalhadores já existentes e remunerados.

Até agora o voluntariado estava regulado por cerca de uma dezena de diplomas dispersos e desarticulados que não lhe estabeleciam um enquadramento único nem lhe atribuiam a relevância social que é atribuído a este tipo de trabalho pelo XIII Governo Constitucional.

3. Pensões para antigos presos políticos

Regulamenta-se o processo para a contagem especial do tempo de detenção, prisão ou exílio políticos para pensões de invalidez, velhice e sobrevivência.

O Conselho de Ministros aprovou um Decreto Regulamentar que define as regras que permitem dar execução à Lei nº 20/97, de 19 de Junho, a qual estabelece uma contagem especial do tempo de detenção, prisão e exílio por razões políticas criadas pelo Estado Novo, na determinação das pensões de invalidez, velhice e sobrevivência.

O diploma institui uma comissão nomeada pelos Ministros da Administração Interna, da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade, à qual compete apreciar os requerimentos que lhe forem apresentados, no âmbito do regime geral da Segurança Social.

Estes requerimentos deverão ser acompanhados dos documentos comprovativos, bem como de uma declaração de que o período de tempo em causa não é relevante para a atribuição de prestações da mesma natureza.

Está ainda em estudo a aprovação de um outro diploma referente às situações abrangidas pela Caixa geral de Aposentações.

4. Publicidade fora de aglomerados urbanos

Proibe-se a publicidade nos campos junto às estradas nacionais, permitindo a sua remoção caso não tenha sido licenciada e impedindo novos licenciamentos.

O Conselho de Ministros aprovou um Decreto-Lei que regula a afixação ou inscrição de publicidade na proximidade das estradas nacionais fora dos aglomerados urbanos, com objectivo de inverter a tendência de degradação da paisagem.

É proibida a afixação ou inscrição de publicidade fora dos aglomerados urbanos, em qualquer lugar que seja visível das estradas nacionais, salvo algumas excepções, nomeadamente, a que se destine a identificar edifícios ou estabelecimentos, desde que inscrita nesses edifícios ou estabelecimentos e que se destine a publicitar serviços de interesse turístico ou cultural.

Os meios publicitários que, à data da entrada em vigor deste diploma, estejam em situação legal, isto é, tenham sido colocados ao abrigo de licença, continuarão instalados até ao final da licença, que não poderá ser renovada, após o que deverão ser prontamente retirados.

Compete aos titulares das licenças comunicar aos governos civis quais as licenças que foram passadas e, portanto, quais os meios publicitários que se encontram colocados ao abrigo da lei. Caso não haja a comunicação, os meios publicitários serão retirados a expensas do respectivo proprietário, havendo apenas uma comunicação prévia.

De facto, as entidades fiscalizadoras (governos civis e câmaras municipais) que lhes permitem remover a publicidade que se encontre em situação ilegal, usando para isso, se necessário, a figura legal da pose administrativa dos terrenos onde a publicidade esteja afixada ou inscrita, a qual cessa imediatamente após essa remoção.

O diploma cria ainda um regime sancionatório que estabelece coimas entre 50 e 750 contos, para as infracções cometidas por pessoas singulares, e entre 100 e 9 mil contos para as cometidas por pessoas colectivas.

5. Alteração à lei orgânica do Governo

O Conselho de Ministros aprovou uma alteração à lei orgânica do XIII Governo Constitucional, deixando o Secretário de Estado da Comunicação Social de estar na dependência do Ministro da Administração Interna e Ministro Adjunto e passando a depender do Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.

6. O Conselho de Ministros deliberou ainda:

1. Aprovar duas Propostas de Resolução, a enviar à Assembleia da República, que ratificam os acordos de parceria e cooperação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-membros, por um lado, e a Geórgia e a Arménia, pelos outros.

2. Aprovar uma Proposta de Resolução, a enviar à Assembleia da República, que ratificam o instrumento de emenda da constituição da Organização Internacional do Trabalho, adoptado pela conferência na sua 85ª sessão, em Genebra, em 19 de Junho de 1997.

3. Aprovar uma Proposta de Lei, a enviar à Assembleia da República, que adopta o Acordo bilateral de cooperação entre Moçambique e Portugal no domínio do combate ao tráfico ilícito de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e criminalidade conexa, assinado em Maputo, a 13 de Abril de 1995.

4. Aprovar um Decreto-Lei que cria um regime especial de contratação para os profissionais ao serviço do rendimento mínimo garantido e estabelece as normas especiais de recrutamento e de selecção de pessoal para provimento dos quadros de pessoal dos centros regionais de Segurança Social adstritos ao rendimento mínimo garantido.

5. Aprovar um Decreto-Lei que prorroga até 31 de Dezembro de 1998 o regime de instalação da Escola Superior de Tecnologia, Gestão, Arte e Design das Caldas da Rainha.

6. Aprovar um Decreto-Lei que estabelece um regime especial de prestação de provas de agregação por parte dos professores associados das faculdades de Medicina Dentária de Lisboa e do Porto.

7. Aprovar um Decreto que adopta o Acordo entre os governos de Portugal e da Bulgária sobre readmissão de pessoas em situação irregular, assinado em Sófia, em 20 de Outubro de 1997.

8. Aprovar um Decreto que adopta o Acordo entre os governos de Portugal e da Espanha sobre criação de postos mistos na fronteira (em Vilar Formoso, Vila Real de Santo António, Tui e Caia), assinado em Madrid, em 19 de Novembro de 1997.

9. Aprovar um Decreto que adopta o convénio entre Portugal e Espanha para a construção de uma ponte internacional sobre o rio Minho, entre as localidades de Vila Nova de Cerveira e Goyan, assinado em Madrid, em 14 de Novembro de 1997.

10. Aprovar um Decreto que adopta o Acordo entre os governos de Portugal e da Bulgária sobre supressão de vistos para titulares de passaportes diplomáticos, assinado em Sófia, em 20 de Outubro de 1997.

11. Aprovar uma Resolução que ratifica o Plano de Pormenor da Quinta do Simão Sul, no município de Aveiro.

12. Aprovar um Decreto-Lei que reformula o regime jurídico da formação profissional na Administração Pública.

13. Aprovar uma Resolução que autoriza o Instituto de Gestão do Crédito Público a contrair, em nome de Portugal, empréstimos externos amortizáveis, até ao montante de 350 milhões de contos.

14. Aprovar uma Resolução que autoriza a emissão de empréstimos internos de médio e longo prazos, amortizáveis, denominados Obrigações do Tesouro, até ao montante de 1110 milhões de contos.

15. Aprovar uma Resolução que autoriza o Instituto de Gestão do Crédito Público a emitir Certificados de Aforro até ao montante de 300 milhões de contos.

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